As lembranças que o circo
nos traz
Hilário Domingues Neto
1997
O
título retrata a importância de certos fatos do passado e que estão no nosso
cotidiano. Meu avô hoje me veio à lembrança. O vô Hilário, como eu o chamava.
Quando
saí pela manhã cedinho com meus apetrechos de pretenso pintor, ao chegar à
praia do José Menino em busca de um postal de minha querida Santos para
retratar na tela, deparei com ele, multicolorido, emoldurado por aquela
paisagem marinha que me viu sair da infância, o meu “Grande Circo”.
Montei
o cavalete e comecei a participar do espetáculo. Cada traço do esboço na tela
provocava um estranho devaneio.
De
repente me senti no passado. Um séquito ruidoso e multicolorido desfilava por
minha rua. Todos corriam à porta para ver, eu também, mas quando cheguei, lá
estava meu avô, com aquele brilho nos olhos, assistindo a passagem da troupe
circense, os malabaristas, os palhaços, o engolidor de fogo, os cães
adestrados, enfim, animais dos mais exóticos.
Vô Hilário ficava torcendo
para que eu o convidasse para me levar à matinê, e, quando eu cumpria o ritual
– acontecia sempre que vinha um circo à cidade – ele ficava satisfeito e
justificava à minha avó que no dia seguinte teria que sair.
-
Amanhã vou levar esse menino ao circo.
A noite parecia das mais
longas, para mim e para meu avô, tenho certeza.
Sempre almoçávamos e íamos
bem mais cedo do que o horário de início do espetáculo, pois gostávamos de
apreciar os bastidores. Os trailers das famílias circenses, os animais,
os preparativos enfim da apoteose.
Com a idade diz-se que
retornamos à infância, isso procede. Nos sentávamos nas gerais, empoleirados
nos sentíamos como coadjuvantes do espetáculo, tal era nossa interação com tudo
o que ali acontecia.
A alegria dos palhaços, o
suspense dos trapezistas, dos domadores de leões e dos motociclistas do Globo
da Morte, enfim, tudo fazia com que naquele instante nossas vidas se inserissem
num mundo de fantasia que tanto nos empolgava.
Olhava para o meu avô e
felizes disputávamos o final de um saquinho de pipocas.
-
Oi moço! Você está pintando o circo?
-
Estou. E você, já foi ver o palhaço garoto?
-
Ainda não moço, eu vou amanhã. Meu avô vai me levar.
-o-o-o-o-
Crônica publicada em textos escolhido para publicação na Revista NET - "Promoção ponto parágrafo na outra linha", Editora Globo, n. 46, de dezembro de 1997.
"Grande Circo"
HDomingues (1994)
Óleo sobre tela 100x80cm
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